Projeto Pessoal - Dan ganha seu próprio prequel
Começando do começo, a ideia desse projeto surgiu com um concurso promovido por uma editora, divulgado no Instagram deles. A ideia, pelo o que lembro, era incentivar novos escritores (profissionais ou não) e dar visibilidade a seus trabalhos. O tema do concurso era desenvolver um conto, de no máximo duas páginas, baseado em um dos filmes listados por eles. O conto poderia ser apenas baseado no tema de um dos filmes, se passar dentro do universo do filme com novos personagens, ser focado em algum personagem existente no filme, enfim, o desenvolvimento era livre, desde que tivesse alguma relação com um dos filmes. Os contos seriam analisados e os melhores seriam publicados em uma coletânea digital disponibilizada pela editora.
Não lembro de todos os filmes listados, mas se não me engano, era uma seleção de filmes lançados nos últimos anos que tiveram grande aclamação pela crítica especializada. Antes mesmo de saber o que ia escrever já escolhi Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr), um dos meus filmes favoritos do meu diretor favorito.
Quem já viu o filme sabe que ali as possibilidades são imensas. O grande problema é que o conto teria que ser muito curto, só duas páginas do Word, com tamanho de letra e espaçamento de linhas já determinados por eles. Difícil de desenvolver algo minimamente interessante, que tivesse começo, meio e fim em tão pouco espaço. Dei uma revisitada em algumas cenas chave do filme, para refrescar a memória e tentar ter alguma ideia.
Acabei escolhendo um subplot pelo qual tenho um apreço especial, pois lembro que pulei da cadeira como não fazia há muito tempo quando vi a cena pela primeira vez: o trágico encontro de um homenzinho nervoso com o personagem de um sonho nos fundos de uma lanchonete na Sunset Boulevard. São personagens coadjuvantes que aparecem essa única vez no filme, então tive que pesquisar os nomes deles na internet, já que nem são mencionados durante o diálogo da cena. Em resumo, três personagens de uma cena marcante que quase não tinha contexto ou desenvolvimento. Não que um conto de duas páginas conseguiria se aprofundar muito mais, mas achei que daria para criar algo que expandisse um pouco mais aquele universo.
Para quem não viu ou lembra pouco da cena, achei ela inteira no Youtube e deixo aqui para contextualizar melhor:
Escrevi, enviei e esperei alguns meses pelo resultado. Quando saiu, vi que o conto não foi selecionado. Reli, achei horrível, quase deletei o arquivo para sempre, mas pensei melhor e resolvi guardá-lo para eventualmente tentar transformar em algo melhor. Tempo passou, acabei esquecendo totalmente do conto, e então recentemente encontrei o arquivo sem querer no computador. Reabri pra ler, não achei tão ruim, e achei que daria uma boa postagem para reativar o blog.
E aqui está, meu primeiro fracasso como escritor. Espero que achem divertido.
Medo de Fechar os Olhos, Medo de Abrir os Olhos
Aquilo
era estranho. Dan nunca tinha estado dentro daquela unidade do Winkie’s na
Sunset Boulevard, mas sabia que o lugar deveria ser mais barulhento. Sons de
conversa, sons de talheres, xícaras, até eventualmente uma louça quebrada.
Coisas típicas de um diner. Mas o lugar estava totalmente silencioso. E Herb? Herb
não estava ali com ele há pouco? Olhou ao redor. Olhou para trás. Herb estava alguns
metros atrás dele, diante do caixa, próximo à porta. Provavelmente pagando a
conta. Mas não havia ninguém trabalhando no caixa. Aquilo era muito estranho.
Passou os olhos pelo local para procurar uma garçonete que pudesse ajuda-lo,
mas o diner estava completamente vazio.
Não,
vazio não. E ele não estava falando de Herb. Aos fundos do diner, bem
diante de Dan. Não havia parede. Ou a parede era transparente, ou invisível.
Ele conseguia ver o terreno dos fundos do estabelecimento. Um lugar sujo, que não
se assemelhava em nada com o ambiente limpo e cheio de cores alegres do
Winkie’s. Havia um homem ali. Sujo, vestindo roupas escuras, o cabelo sujo,
desgrenhando e oleoso. O rosto parecia deformado. Como se fosse feito de massa
de modelar e alguma criança tivesse brincado um pouco com ele, repuxando as
extremidades e o nariz, dando à face um visual surrealista. Os olhos eram
grandes e esverdeados. Verde claro, cor da água de um mar paradisíaco. A cor era linda, mas não
conversava com aquele rosto sujo e deformado.
O
homem estava agachado ao lado de uma fogueira, como se estivesse se
esquentando. Seria um mendigo que vivia ali? Estava com algo nas mãos, mas Dan
não conseguia definir o que era. O olhar estava fixo nele. Um olhar de vigília,
quase maníaco. Parecia chama-lo. Venha Dan, tenho algo aqui em minhas mãos
para você. Venha ver o que é. Aquilo o sufocava. Ele não conseguia se
mexer. Sentia que estava suando. Tinha medo de chamar Herb, tinha medo de
levantar, fazer qualquer coisa que desafiasse o contato visual daquele homem e
pudesse fazê-lo caminhar até ele. Queria evitar aquele olhar, mas tinha medo de
fechar os olhos e encontrar o homem parado bem à sua frente quando tornasse a
abri-los.
Aquilo
era muito sufocante. Ele precisava chamar Herb. Mandar um sinal. Mas quando
olhou para o caixa, Herb não estava mais lá. Teria o estúpido pagado a conta e
o deixado ali? Bem, a porta não estava tão distante assim. Ele poderia se
levantar e correr. A distância do homem era muito maior. Mas tudo aquilo era
muito estranho, ele não confiava mais na lógica das coisas. Sabia que o
homem poderia aparecer ao lado dele em questão de segundos se quisesse. Ou
seja, permanecer ali não melhorava sua situação em nada. Era melhor pagar pra
ver. Levante e saia daqui. Qualquer coisa é melhor que essa situação.
Dan
se levantou. Como se fosse uma resposta a seu movimento, o chão se inclinou.
Sim, não havia outra maneira de descrever aquilo. A extremidade onde estava a
porta começou a se inclinar para cima, transformando o chão em um escorregador
cada vez mais íngreme. Não querem que eu saia. Ou melhor, ele não
quer que eu saia. Dan começou a correr antes que o chão o fizesse deslizar, mas
não conseguia ir adiante. Seus pés ficavam patinando no mesmo lugar, como se o
chão estivesse coberto de óleo. E o chão continuava a subir. Nem precisava
olhar para trás, sabia que o homem estava sorrindo.
Quando
o chão formou um ângulo de 45 graus com a porta que seria sua salvação, Dan
tombou para a frente e começou a deslizar para baixo, ou para os fundos. Tentou
cravar as unhas no chão mas elas estavam rentes demais. Suzanne as havia
cortado não fazia nem dois dias. Procurou algo à sua volta para se segurar, mas
observou horrorizado que o balcão, as mesas, tudo estava deslizando para os
fundos do diner junto com ele. Se atreveu a olhar para frente, e agora o
homem estava enorme, os olhos verdes gigantes sugando-o. O homem não sorria. Na
verdade Dan não sabia, aquele rosto não demonstrava emoção, era algo deformado
e estático.
Dan
acordou soltando uma exclamação. Não gritou como nos filmes. Estava molhado de
suor. Olhou para o lado, Suzanne dormia virada para o lado oposto. Havia uma
roda escura na frente de seu short de dormir. Ele havia urinado como um
garotinho. Se levantou e caminhou para o banheiro. Quando acendeu a luz e se
olhou no espelho, aqueles olhos azuis estavam ali, encarando-o ainda. Haviam
saído do sonho e possuído seu rosto. Não. Ele piscou, olhou melhor. Só viu seu
próprio rosto, pálido e assustado. Foi uma ilusão, talvez causada pela luz
repentina, que feria seus olhos. Não queria que Suzanne visse seu short
molhado. Não queria que ela soubesse daquele sonho.
Pensou no que tinha sonhado. Herb. Por que ele estava ali? Não o via desde semana passada. Winkie’s na Sunset. Passava por ali de carro frequentemente, mas nunca tinha entrado naquele lugar. E aquele homem...um fruto de seu subconsciente. Um homem com aquela aparência não poderia existir no mundo real. Certo? Certo. Tire esse short mijado e volte logo a dormir. Essa luz vai acordar Suzanne.
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